terça-feira, 14 de junho de 2011

AS HÁRPIAS




As Harpias
Enéas, o épico paladino troiano, navegando com sua gente para as maravilhosas terras da antiga Hespéria, foi submetido a novas e espantosas provas.


Contam as velhas tradições que se perdem na noite dos séculos que, em alto mar, as forças pavorosas de Netuno levantaram terrível tempestade que, se não afundaram o navio, pelo menos fizeram com que Palinuro, o mais hábil dos seus pilotos, perdesse o rumo, depois de passar três noites sem estrelas.


Os troianos viveram novamente momentos de horror quando se aproximaram das ilhas Estrófades, as quais se situam no mar Jônio. Nelas habitam as dantescas harpias, bruxas asquerosas com cabeça e pescoço de mulher, mas com corpo de pássaro.


Antes eram formosas donzelas, mas agora estão transformadas em horríveis fúrias que, com seu contato abjeto, corrompem tudo que tocam. O exército das abomináveis harpias, capitaneado outrora pela execrável Celeno, era monstruoso. Providas de longas garras, têm sempre no rosto a palidez da fome.


O glorioso herói atracou naquela terra e junto com sua gente desembarcou nela sem pensar em passarolos horripilantes nem em bruxas abjetas.


Famintos como estavam, os fortes descendentes de Dárdano não tardaram em sacrificar as reluzentes e formosas vacas que pastavam felizes na terra de ninguém. Contudo, quando estavam no melhor do festim, baixaram as harpias dos montes. Grasnando como corvos e batendo sua negras e repugnantes asas, aproximaram-se da comida para infeccioná-la com suas bocas imundas. Tornou-se horrendo o aspecto daquela carne infeccionada, o fedor infestava o ar e o banquete fez-se asqueroso e nauseabundo.


Os troianos, fugindo de tão sinistras damas, transformadas em horripilantes passarolos, refugiaram-se em misteriosas cavernas afastadas da ensolarada praia. Para desgraça de tão ilustres guerreiros, quando de novo se dispunham a comer, depois de terem sacrificado novas vacas, voltaram as malditas bruxas e novamente estragaram o alimento. Cheios de grande ira, aqueles homens decidiram enfrentar o ataque. Armaram-se de arcos azagaias para exterminar as abomináveis harpias, porém a sua asquerosa pele não permitia que o bronze a atravessasse e os seus flancos eram invulneráveis como o aço.
Foi terrível a maldição que pronunciou Celeno, quando esvoaçando sobre as cabeças dos valentes troianos disse: Por que nos fazeis a guerra, insensatos? Os Deuses fizeram-nos imortais. Não vos ofendemos sem justiça, pois haveis sacrificado muitas vacas de nosso rebanho. Como castigo vou lançar-lhes uma maldição. Enéas e sua estirpe andarão errantes pelo mar antes de encontrarem a terra que buscam e passarão fome. Não conseguirão levantar as muralhas de sua nova cidade até que, de tão famintos, se vejam obrigados a devorar suas próprias mesas.
Surpresos e consternados, os troianos rogaram aos Deuses Santos para que os livrassem de tais ameaças e, em seguida, abandonaram aquela triste terra tornando a embarcar. Sacrificar a Vaca Sagrada equivale, de fato, a invocar as cruéis harpias de funestos presságios. Será bastante oportuno citar aqui a simbólica vaca de cinco patas, guardiã terrível das terras jinas. H. P. Blavatsky viu realmente uma vaca branca com cinco patas no Hindustão. A quinta pata saía da sua giba e com ela se coçava e espantava as moscas. O animal era conduzido por um jovem da seita sadhu.


Se lemos as três sílabas de Cabala ao inverso, temos: LA-VA-CA (Nota do Revisor: As consoantes V e B se confundem na língua espanhola, por isso o autor fez essa analogia silábica), símbolo vivo da eterna Mãe-Espaço. Em todas as teogonias do norte e do sul, do leste e do oeste do mundo, menciona-se sempre o elemento feminino e eteno da natureza, a Magna-Mater, de quem provém o M e o famoso hieróglifo de Aquário. Ela é a matriz universal do grande abismo. Ela é a Vênus primitiva, a Grande Mãe Virgem que surge das ondas do mar com seu filho Cupido-Eros. Por fim, ela é Gaia, Gaea ou a terra, que no aspecto superior é a Prakriti hindustânica. Lembrem-se de Telêmaco, descendo ao mundo das sombras para averiguar a sorte que tivera Ulisses seu pai. O jovem caminha sob a luz da lua invocando a Prakriti, a poderosa deidade que sendo Selene no céu, é a casta Diana na terra e a formidável Hécate nos mundos subterrâneos. Os dois derradeiros desdobramentos, Hécate e Prosérpina, o quarto e o quinto aspecto da Prakriti, são negativos, constituem a sombra da Eterna Mãe-Espaço, são reflexos perdidos no espelho da natureza.


Há jinas negros e brancos. As harpias seguem o caminho tenebroso. Dante encontrou-as nos mundos infernais atormentando as almas que involuem nas regiões submersas. As harpias são jinas negros. Utilizam os dois aspectos negativos inferiores da Prakriti e com eles metem seus corpos na quarta dimensão para voar pelos ares.


O corpo humano pode assumir qualquer figura na dimensão desconhecida. Formosas donzelas podem tornar-se horripilantes passarolos, como aqueles que Enéas achou nas tenebrosas ilhas Estrófades.


Caronte, o Deus Infernal, cuja velhice é sempre melancólica e abominável, conduz as harpias que passaram pelas portas da morte para a outra margem do mau rio de corrente lamacenta e de águas negras, em cujas margens imundas vagueiam os espectros dos mortos. Rio fatal onde navega a barca de Caronte, conduzindo os perdidos para as regiões sombrias, tétricas e escuras do reino mineral submerso.


Fim horrível aguarda as harpias da execrável Celeno. Involuir espantosamente no submundo até que se petrifiquem e se reduzam a poeira cósmica.


Justa é a condenação daqueles que praticam o mal. Suas goelas são como sepultura aberta. Eles jamais conhecerão o sendeiro da paz.

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